“Até o último, não dava para acreditar que Kyiv seria bombardeada…”
Milhares de pessoas belarussas, forçadas a fugir das repressões do regime de Lukashenka e encontrar um novo lar na Ucrânia, tiveram que se tornar refugiadas pela segunda vez por causa da guerra. Vital é um representante do movimento social “Um País Para Se Viver”. Seu ativismo começou com a campanha eleitoral de Siarhei Tsikhanóuski.
– Coletei assinaturas [em apoio à candidatura de Tsikhanóuski – Trad.] no mercado Kamaróuski, em Minsk. Em 9 de agosto de 2020, estive na Estela, em 10 de agosto, na [estação de metro – Trad.] Púshkinskaya, onde fui atingido por uma bala de borracha. Eu vi a morte de Taraikóuski. Depois de agosto, organizamos chamadas de zoom para ativistas dos bairros com Sviatlana Tsikhanóuskaya, primeiro em Minsk e depois em diferentes cidades. Publicamos um jornal de protesto “Reais Notícias”. Organizamos palestras sobre autogoverno. Distribuímos adesivos, fizemos produtos personalizados, imprimimos folhetos. Ajudamos presos políticos.
No outono de 2020, fui detido na Passeata das Mulheres. Bem que a polícia não teve tempo de entender quem eu era e me libertou ao anoitecer. Eu trabalhava no sistema judicial, então sabia que provavelmente seria multado. E assim aconteceu, mas não paguei, embora os fundos me oferecessem ajuda.
Vital diz que conhecidos o alertaram sobre iniciar um processo criminal:
– Tive menos de um dia para arrumar as coisas. Entrei na Rússia passando pela floresta, depois passei a fronteira russo-ucraniana com relativa facilidade, porque peguei o período em que começaram a me procurar em Belarus, mas ainda não proibiram minha saída do país. Uma semana depois que eu saí, minha mãe morreu. Mas eu não podia mais voltar para enterrá-la…
Sempre me senti confortável na Ucrânia, então decidi ficar e também não tinha nenhum visto para ir mais longe. Em 2014, já havia morado em Kyiv por mais de seis meses. Na Ucrânia, não senti nenhuma barreira moral ou linguística. Me legalizei facilmente e comecei a ajudar os outros: abrimos uma fundação e registramos ativistas belarussos como voluntários, o que serviu de base para obter uma autorização de residência.
Vital lembra que morava em Kyiv havia seis meses quando a guerra começou.
– Desde o outono de 2021, os treinamentos militares organizados por Azov foram realizados em todas as cidades da Ucrânia. Vi que muitas pessoas estavam se preparando para o início da guerra. Nos reunimos em um bar com os rapazes que mais tarde organizaram o Regimento Kastus Kalinóuski. Recebemos palestras sobre o que fazer quando a guerra começar: quais remédios são necessários, quais produtos comprar primeiro. Mas então ninguém pensava que tudo aconteceria nessa escala. Até o último, não dava para acreditar que Kyiv seria bombardeada, embora 2-3 dias antes do início da guerra nós estocássemos tudo o que precisávamos e concordássemos em nos encontrar em nosso apartamento em caso de emergência.
Na manhã do dia 24 de fevereiro, minha vizinha me acordou: “Acabou, estão bombardeando!” Eu mesmo já estava ouvindo: morávamos na área da estação de metrô Minskaya, logo na saída para Irpen e Butcha. Havia muitas explosões. Algumas outras pessoas vieram até nós de diferentes áreas. Um conhecido de Vyshhorod disse que uma unidade militar foi bombardeada perto de sua casa. Fomos à farmácia. No caminho, vi adolescentes cavando trincheiras. Então entendi que Kyiv nunca seria rendida.
No começo, não planejávamos sair. o que assustava mais de tudo eram os relatos de que Kyiv estava cercada. Não sabíamos da situação real. Só ouvíamos que algo explodia em algum lugar. Um grupo de sabotagem conseguiu entrar e foi baleado perto de nossa casa. Os sons de tiros ao redor são uma sensação bastante desagradável, para dizer o mínimo.
No segundo ou terceiro dia, soubemos pelos canais do Telegram que armas estavam sendo distribuídas em Kyiv. Por duas vezes, enquanto atingíamos os pontos desejados, já haviam acabado. Pela terceira vez, estávamos entre os primeiros da fila, mas chamaram a polícia, por causa dos nossos passaportes belarussos. Após a conversa, eles nos soltaram, mas as armas nunca foram entregues.
Uma semana depois, nosso grupo decidiu tentar sair. Não tínhamos carro, mas os trens circulavam. O metrô não estava funcionando, então fomos para a estação de trem a pé. No caminho, houve um tiroteio: não havia onde se esconder, simplesmente continuamos a correr.
Vital entendeu que era impossível encontrar um apartamento nas principais cidades da Ucrânia Ocidental: o fluxo de refugiados era muito grande.
– Quando chegamos a Khmelnitskyi, vimos a estação Jmérinka e eu sugeri descermos. Ficamos sabendo que havia um centro de acolhimento para refugiados na cidade e fomos para lá. Após 10 minutos, os oficiais da inteligência vieram nos buscar. Colocaram-nos em salas separadas e começaram a interrogar. Depois que descobriram quem éramos, eles até pediram desculpas. No dia seguinte fomos à administração local e dissemos que queríamos ajudar. Como resultado, tecemos redes de camuflagem, preparamos coquetéis molotov e ajudamos defesa territorial.
Tínhamos boas relações com as pessoas locais. A única coisa é que antes da guerra elas consideravam Lukashenka um cara normal e desconheciam absolutamente a situação que estava acontecendo em nosso país: nem sobre o protesto em massa, nem sobre a tortura nas prisões. Quando eu contava que as pessoas eram presas por usarem roupas de uma determinada cor em nosso país, as pessoas não podiam acreditar.
Até meados de abril, Vital morou em Jmérinka. Quando percebeu que ele não era mais de muita utilidade na Ucrânia, decidiu partir para a Polônia.
– Os [guardas – Trad.] poloneses me levaram para uma conversa, checaram o telefone: olharam as fotos, as anotações. Mas não houve muitos problemas: pela manhã já estava em Varsóvia. Depois de passar uma semana na Polônia, queria voltar para a Ucrânia. Comprei uma passagem, mas me tiraram do ônibus. Decidi que isso era um sinal do destino e que precisava ficar em Varsóvia por enquanto.
Vitaly admite que não se sente confortável na Polônia.
– Minha adaptação aqui foi difícil: uma língua e uma estrutura de sociedade diferentes, o modo de vida polonês é peculiar. Sinto-me desconfortável aqui: não comecei a estudar polonês, não quero morar na Polônia para sempre, embora tenha encontrado um bom emprego na poligráfica em uma empresa ucraniana.
Vital está ciente de que seus planos para o futuro dependem do desenvolvimento da situação.
– Quero voltar para Belarus assim que for possível. E farei de tudo para acelerar esse processo. Espero muito para 2023. Na sua segunda metade pretendo voltar pelo menos a Kyiv.
Tenho certeza de que a Ucrânia vencerá a guerra. A questão é quanto tempo levará e a que custo será alcançado. E sem o apoio da Rússia, acho que Lukashenka não vai durar muito: nem econômica nem militarmente.